A Odisseia de Enéias
- João Martins
- 3 de jun.
- 2 min de leitura
Atualizado: 4 de jun.
Bem-vindo ao novo Império Romano
Por João Martins
A Odisseia de Enéias, dirigido por Pietro Castellitto e produzido pelo renomado cineasta Luca Guadagnino, é uma das obras mais instigantes do cinema italiano recente — um filme que mescla charme e decadência numa narrativa pouco convencional. Em seu segundo longa-metragem, Castellitto revela um olhar amadurecido, conduzindo uma história que, mesmo sem grandes reviravoltas, captura com intensidade o vazio existencial de uma juventude rica, hedonista e inquieta.
A trama acompanha Eneias (“Enea”, na escrita e pronúncia italiana), interpretado pelo próprio diretor, um jovem da elite romana que, ao lado do melhor amigo Valentino (Giorgio Quarzo Guarascio), mergulha em uma rotina de festas, drogas, excessos e fugas emocionais. Embora mostre os bastidores do tráfico de substâncias, o filme está longe de ser sobre o crime. Trata-se, acima de tudo, de um retrato geracional: uma juventude que vive intensamente, mas sente pouco. Ao fundo dessa rotina de delírios e prazer, surge a presença constante da família, amorosa, mas impotente diante da apatia afetiva que parece permear tudo. As relações familiares, embora discretas, oferecem um contraste valioso, revelando camadas mais complexas do protagonista e apontando para aspectos que talvez ele não consiga — ou não queira — encarar.
A amizade da dupla central sustenta todo o enredo, funcionando como um ponto de ancoragem frágil em um mundo onde tudo parece descartável. Em meio a festas sofisticadas, viagens e encontros desconectados, emerge um desejo obscuro de sentido, que se infiltra naquela rotina e contamina a aparente liberdade que eles tanto buscam.
Logo, você é convidado a se deixar levar pelo ritmo quase hipnótico da montagem, com conversas interrompidas e silêncios que comunicam mais do que qualquer diálogo.
A fotografia de Radek Ladczuk é um espetáculo à parte. Conhecido por seu trabalho em The Babadook (2014), ele imprime aqui uma estética sofisticada e carregada de tensão. Tons dourados e sombras densas se alternam, captando não apenas a beleza plástica das locações e dos corpos, mas também o contraste entre o luxo e o desespero. Há enquadramentos que parecem suspensos no tempo, como se o filme pausasse para contemplar sua própria imagem, e, com isso, o espectador ganhasse folego para refletir.
Com sua proposta sensorial, Pietro Castellitto entrega uma odisseia corajosa, elegante e de uma beleza estranhamente sedutora, um conjunto de altíssima qualidade estética para ser apreciada numa boa sala de cinema.
A Odisseia de Enéias | Estreia 19.06.2025 | Dir. Pietro Castellitto | Itália |
Drama 115 min.
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