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Entre um corpo que cai e a sombra de uma dúvida

“No momento em que você diz que me ama, seu amor acaba. E no momento em que seu amor acaba, o meu amor começa”. Fique de olhos bem atentos para Decisão de Partir, novo filme de Park Chan-wook, pois ele é cheio de sutilezas, e você não vai querer perder nenhuma delas.


Adorado por cineastas como Quentin Tarantino, Park Chan-wook é tido como o diretor que colocou o cinema coreano no mapa com a sua sangrenta trilogia da vingança formada por Mr. Vingança, Oldboy e Lady Vingança, filmes que carregam um horror visceral intenso. Não por acaso, Oldboy ganhou o Prêmio do Júri do Festival de Cannes 2004, edição da qual Tarantino foi o presidente do júri. Vencedor do prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes de 2022, e aposta da Coreia do Sul para o Oscar 2023 de Melhor Filme Internacional, Decisão de Partir apresenta uma violência mais sutil, e um romance mais profundo, porém muito perigoso, entre um detetive e sua principal suspeita.


O detetive Jang Hae-joon tem sua dignidade lentamente despedaçada após começar a investigar um caso de possível suicídio nas montanhas enevoadas da Coreia do Sul. Ou seria um homicídio? No entanto, Song Seo-rae, a esposa da vítima, parece não esboçar tristeza pelo falecido marido, o que causa certa desconfiança entre os policiais. Aos poucos, essa misteriosa mulher torna-se uma presença indispensável para o detetive, que começa a se apaixonar por ela.


A história possui algumas reviravoltas em uma trama belamente amarrada, cuidadosamente dirigida e dividida em duas partes: a primeira mais pulsante, colorida, veloz e apaixonada, chamada pelo diretor de A Montanha, e a segunda mais cinza, melancólica e enevoada, intitulada de O Oceano. Essa divisão não aparece explicitamente no filme, pois o diretor imaginou que o público acharia cansativo, então ela é sutil, mas bem clara quando acontece.


As sutilezas se fazem presentes o tempo todo, como em uma frase de Confúcio que é citada pela viúva Song Seo-rae: “As pessoas gentis gostam das montanhas e as pessoas sábias gostam do oceano”. Esta breve referência faz com que os dois comecem a se sentir mais próximos, pela afinidade com o oceano e antipatia pela montanha.


A névoa, um elemento importante no filme, é representada de formas distintas, seja no topo das montanhas, na cidade que não faz sol pela manhã, ou nos olhos do protagonista que está sempre pingando um colírio. Inclusive, uma das inspirações para o filme foi a música The Misty (A Névoa), de 1967, da cantora Jung Hoon Hee, canção da qual o diretor gostava muito quando era criança, e que ele voltou a ouvir na fase adulta, numa viagem à Londres, onde se encontrava junto de sua roteirista Jeong Seo-kyeong. A partir de então, eles começaram a pensar em como seria uma história de amor entre esse homem e essa mulher da letra da música.


Como deveria ser esse detetive? Para o diretor, ele queria algo diferente do usual, um detetive que fosse mais gentil e honrado, que carregasse lenços umedecidos e lipgloss, ao invés de uma arma. E a mulher misteriosa, como seria ela? Então Jeong Seo-kyeong falou sobre Tang Wei, a atriz chinesa, e o quanto gostaria de criar uma personagem para ela. No filme, ela também é uma chinesa que não consegue falar muito bem o coreano, e utiliza um coreano mais antigo, algo que vai ser difícil de percebermos, mas fica aí a informação de mais uma sutileza.


Vale dizer que o diretor pediu, especialmente para o filme, uma nova gravação de The Misty, na qual os cantores Song Chang-sik e Jung Hoon Hee fazem um dueto belíssimo. A princípio, ele deixaria a música na cena final, mas achou que ficaria triste demais e resolveu colocá-la nos créditos. Por isso, fique até terminarem os créditos, vale a pena. Depois, abra seus olhos na névoa e não contenha suas lágrimas.


Decisão de Partir | Estreia 05.01.23 | Dir. Park Chan-wook | Coreia do Sul | Policial/Drama - 139 min.

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