Por Vivi Isoda
A música inebriante e a paisagem bucólica e fria fazem você mergulhar rapidamente na atmosfera pacata da cidade do interior no norte do Japão. Uma floresta marrom e branca, que transpira mistério, mas também paz, a duas horas de Tokyo.
Em O Mal Não Existe, o lenhador e “zelador” Takumi San é filmado cortando a lenha precisamente. O mesmo acontece quando vai buscar água no riacho, usada para beber e fazer o lâmen de um dos restaurantes locais. A câmera percorre a floresta, a estrada, o céu, e as copas das árvores são mostrados muitas vezes de ângulos inusitados, como se fossemos passageiros de Takumi San, o que ajuda ainda mais a entrarmos rapidamente nesse ambiente que parece tão acolhedor.
Nesta cidade você pode acreditar que o mal não exista, num primeiro momento. Os vizinhos são cordiais, a professora e os alunos brincam na rua sorridentes após a aula. Hana chan volta pra casa sozinha pela floresta, sem monitoramento, pois o esquecido pai mais uma vez não a buscou. Mas não há motivos preocupação. Todos na comunidade se conhecem e se respeitam, aparentemente vivem em ritmo mais lento – mas, nem por isso menos trabalhoso – e tudo parece harmônico.
O desequilíbrio começa quando um novo empreendimento é mostrado aos moradores locais, o temido Gampling (camping + glamour), que trará novos visitantes para a cidade e, como vantagem (pra quem?), esta se tornará turística. Ao contrário do que os empresários imaginam, e com a astúcia dos moradores combinada com a cordialidade cirúrgica dos japoneses, não vai ser tão simples assim. No entanto, Takumi San, o já apresentado “zelador” da vila, está disposto a fazer com que esse empreendimento não aconteça e a comunidade continue vivendo da mesma forma.
A ideia do longa partiu de uma premissa diferente: em 2021 o diretor foi chamado por Eiko Ishibashi, cantora e compositora que fez a trilha musical para Drive My Car, para uma nova parceria. Na proposta, Hamaguchi criaria recursos visuais a partir da música dela e ela tocaria a trilha sonora ao vivo. O convite gerou dois trabalhos, começando com a performance Gift, apresentada por Eiko com imagens de Hamaguchi. A partir dessa pesquisa veio, então, o filme O Mal Não Existe.
No início, o diretor não sabia o que sairia dessa parceria. Mas, depois de muitas trocas de e-mails e uma visita à compositora em sua casa, para ver onde ela criava suas canções, surgiu a ideia que a natureza deveria ser um dos focos do filme. Eiko mora numa casa cercada de vasta vegetação, deixa a janela sempre aberta, e toca sua música em alto volume.
O recurso musical é usado cuidadosamente no filme, mas tem cortes abruptos, para dar mais ênfase à imagem e ajudar a contar essa narrativa cheia de sutilezas e surpresas. Ryusuke Hamaguchi se consagrou internacionalmente por Drive My Car, ganhador do Oscar de Melhor Filme Internacional, no mesmo ano que lançou o vencedor do Urso de Prata da Berlinale, Roda do Destino, em 2021.
E, mais uma vez, o diretor surpreende com roteiro, fotografia, trilha e direção impecáveis. Não tenha medo de se perder nessa floresta. Mas, cuidado: o mal pode estar mais perto do que se imagina!
Confira o trailer
O Mal não Existe | Estreia 25.07.2024 | Dir. Ryusuke Hamaguchi | Japão | Drama | 106 min
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