Por Léo Mendes
Esqueça Peter Pettigrew, também conhecido como Rabicho. Em O Último Ônibus o inglês Timothy Spall em nada lembra o famoso bruxo que interpretou em Harry Potter. Aqui o camaleônico ator, que tinha 62 anos na ocasião das filmagens, representa um senhor de impressionantes 90 anos. Além da perfeita maquiagem de envelhecimento, Timothy adotou postura física e características vocais de um homem bem idoso para viver o obstinado Tom, que parte sozinho em sua última missão da vida, numa longa viagem de ônibus percorrendo mais de 1400 quilômetros, desde a mais longínqua ponta do nordeste do Reino Unido até o seu extremo sul.
Esta delicadíssima obra pode ser vista como um road movie, mas sem nenhum dos clichês típicos na maioria dos filmes de estrada. Sem firulas, o roteiro do inglês Joe Ainsworth encontrou nas mãos do diretor escocês Gillies MacKinnon e na sublime atuação de Timothy Spall o despojamento necessário.
O motivo do deslocamento de Mr. Tom é a realização de uma promessa que ele fez à sua falecida esposa Mary. Após rememorar momentos marcantes que teve com ela (em imagens de flashback), o velhinho pega a sua maleta, elemento inseparável durante toda a jornada, e sai rumo ao sul, com o passe livre de ônibus em mãos, de cidade em cidade, parando em lanchonetes e pousadas que ele e Mary visitaram na juventude.
A maleta, que ele não gosta que ninguém toque, precisa chegar intacta ao final de sua ritualística empreitada, quando, enfim, será aberta. O local escolhido está fortemente ligado a um fato marcante da vida desse senhor, uma grande felicidade que, algum tempo depois, foi revertida numa perda que ele e Mary jamais conseguiram superar.
É de se esperar que um homem tão idoso como Mr. Tom, viajando sem companhia, sofra alguns perrengues. A cada troca de itinerário ele conhece os mais variados tipos de pessoas, desde as mais generosas e acolhedoras, como o casal festeiro que o encontra machucado e oferece cuidados, assim como gente preconceituosa e violenta. Diante de qualquer situação ou tipo de ser humano que cruze o seu caminho, Mr. Tom, com muita dignidade e sabedoria, sempre age como um autêntico gentleman, daqueles que o nosso mundo real tanto precisa. Por onde Mr. Tom passa ele deixa algum sutil ensinamento que só os mais sensíveis e inteligentes são capazes de acatar. Outros preferem gravar vídeos do “misterioso viajante” que, aos poucos, vai se tornando famoso na internet, sem o seu conhecimento.
De aventuras ainda mais desafiadoras que a de Mr. Tom o diretor Gillies MacKinnon entende bem. Ele próprio, na juventude, viajou com uma tribo nômade no Saara por seis meses. Com 17 longas-metragens no currículo, seu segundo filme, The Playboys (1992), protagonizado por Robin Wright, teve discreto lançamento nos cinemas brasileiros.
O Último Ônibus, que apresenta uma qualidade impecável em todos os aspectos, teve orçamento bastante econômico, com produção da Hurricane Films, cujo coproprietário é Roy Boulter, mais conhecido como o baterista da banda de rock The Farm, dona do hit All Together Now, de 1990. O orçamento complementar foi arrecadado por meio de uma doação da National Lottery via Screen Scotland, uma organização sem fins lucrativos que ajuda a incentivar a produção de filmes na Escócia.
O time de talentos por trás deste filme tão belo e especial inclui o também inglês Nick Lloyd Webber, que compôs a trilha sonora orquestral. Infelizmente, Nick faleceu em março deste ano, com apenas 43 anos, e este foi seu último trabalho para o cinema. Ele era filho do compositor Andrew Lloyd Webber, vencedor do Oscar de Melhor Canção Original por Evita (1997). Também merecem máxima atenção as canções originais escritas e interpretadas pela artista de rua de Glasgow Caitlin Agnew, que tinha 19 anos quando o filme foi realizado e é dona de uma maravilhosa voz.
De parada em parada, O Último Ônibus nos conduz a diversas conclusões. Mas, acima de tudo, ele propõe uma reflexão comovente sobre a vida, o amor, e os compromissos que assumimos com as pessoas que realmente importam.
Confira o trailer
O Último Ônibus | Estreia 01.06.2023 | Dir. Gillies MacKinnon | Reino Unido | Drama | 86 min
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