Por Lucas Viana
As Bestas é um suspense de tirar o fôlego. A obra retrata a delicada relação entre estrangeiros e nativos em uma região rural da Galícia, no território espanhol. Os estrangeiros recém-chegados ao povoado são o casal francês Olga e Antoine, que sonham com uma vida bucólica, mas são recebidos pela animosidade dos irmãos Xan e Loren. O conflito nasce como mero desentendimento entre desconhecidos, mas a trama escala para embates sociais que resultam em um clima de verdadeiro terrorismo rural.
Antoine, que é viajado, pratica uma ecologia sustentável e possui formação acadêmica, acredita que pode superar seus desafetos através da força das ideias. Xan, por sua vez, acredita somente na força física e ameaça usá-la a todo instante. Não sabemos se ele é um homem de palavra ou de puro blefe. Mas vemos que ele é um homem muito ressentido.
Xan se queixa por ter nascido em um lugar remoto sem qualquer outra oportunidade a não ser o trabalho no campo, reclama do êxodo populacional de sua cidade – que o deixou sem qualquer chance de encontrar uma parceira amorosa –, e protesta quando seu vizinho estrangeiro reivindica o mesmo poder de decisão que ele sobre os rumos de sua aldeia. É com essa carga psicológica que vemos transbordar o desejo de intimidação, violência e sabotagem contra Antoine.
Com longos planos de uma paisagem telúrica e enquadramentos dignos de pintura, o filme narra complicados entremeios e reviravoltas típicas de uma boa ficção. Contudo, o longa tem inspiração na vida real. O diretor Rodrigo Sorogoyen escreveu o roteiro (em parceria com a escritora Isabel Peña) baseando-se no caso do holandês Martin Verfondern, que se mudou com a esposa para região de Santoalla, na Galícia, e foi assassinado por um vizinho depois de uma coexistência conflituosa. O caso foi amplamente divulgado pela imprensa e resultou em um documentário chamado Santoalla, de 2016. O diretor, então, usou eventos reais como ponto de partida para sua obra ficcional.
Além de maravilhar e amedrontar, o filme nos faz pensar sobre o significado do verbo pertencer. Basta nascer em um determinado lugar para chamá-lo de seu? Se você não nasceu ali, mas ama e cuida do lugar, isso bastaria para ter direitos sobre os rumos daquela terra? Ou o pertencimento real seria justamente a impossibilidade de se mudar, geração após geração? Navegando entre essas questões, o ator Denis Ménochet dá vida a um protagonista multifacetado, solapado por comportamentos bestiais, mas compassivo com outros que talvez só estejam tentando se defender da pessoa errada.
Com tantas nuances e preciosismos, não é de se estranhar que o filme tenha conquistado nove prêmios Goya (premiação mais importante do cinema espanhol) em 2023, incluindo os de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator e Melhor Roteiro Original. Além das reflexões e performances arrebatadoras, As Bestas é uma verdadeira obra de arte.
Confira o trailer
As Bestas | Estreia | 25.01.2024 | Dir. Rodrigo Sorogoyen | Espanha/França | Drama, Suspense | 137 min.
Comments