Por Thaisa Zanardi
Uma Noite em Haifa quebra paradigmas e estereótipos que costumamos carregar a respeito de Israel. Haifa é a maior cidade do norte de Israel, onde coexistem de forma pacífica árabes, judeus e palestinos, em meio a uma diversidade de povos. É certo que a imagem de lá que costumamos ter é mais dramática e religiosa, a exemplo de Jerusalém, por exemplo.
O longa-metragem traz um olhar pouco abordado no cinema israelense, que é essa diversidade e o afeto mais “escancarado” entre as pessoas. Características peculiares do diretor Amos Gitai, que ao longo de toda sua carreira, desde os anos 70, retrata Israel de forma política, sem ser doutrinária, e ainda assim com o frescor de um cotidiano comum no lugar e com os relacionamentos que ele carrega. Apesar de ter se debruçado muito mais na temática de guerra, manifestações e adversidades, e de ter feito alguns documentários, Gitai explorou outro viés de sua nacionalidade.
Como o próprio nome já diz, Uma Noite em Haifa discorre a noite de seus personagens, que ficam perambulando entre um bar/boate e uma galeria de arte. Praticamente, uma típica noite paulistana ou nova-iorquina, onde sempre há um trem (literalmente) passando e marcando cada cena do filme. De fato, temos familiaridade com tudo isso. O próprio Gitai, em uma entrevista, declarou que fez uma visita ao Brasil e lembra ter ficado encantado pela pluralidade e pela mistura dos povos quando visitou São Paulo, e contou também que quis reproduzir um pouco disso em Uma Noite em Haifa, deixando menos evidente a realidade em geral de seu país. Quem diria que o nosso “caos” pode ser também inspiração, não é mesmo?
Gitai traz para essa noite, uma espécie de santuário, porto seguro, em que um homem palestino pode beijar uma mulher israelense ou vice-versa, um lugar em que transitam gays, travestis, um tipo de microcosmos em que todos são aceitos. No filme você vai ver uma vida noturna agitada que abarca desde um show de drag queen a exposição de fotografias politizadas, briga de rua, e até mesmo encontros inusitados de aplicativo de namoro. Todo esse ir e vir repleto de diálogos que refletem sobre a vida, mas que carregam o contexto sociopolítico quase inerente à região.
Apesar de parecer, e de fato ter, um clima animado, o filme traz uma atmosfera de tensão em suas personagens, em especial as protagonistas, que são cinco mulheres, cada uma com uma vida paralela, cada uma com sua batalha pessoal. Esse composto de retratos que nem sempre se comunicam ou se justificam, são mulheres que demonstram força em contraponto a suas vulnerabilidades, questionam suas condições e relacionamentos atuais, relembram traumas do passado, cada uma em seu nicho específico, e que quase nunca se entrelaçam, apesar de estarem no mesmo ambiente. Afinal, é uma característica do longa não ter uma narrativa tão linear e sim mais fragmentada. Os planos têm poucos closes e a câmera acompanha a jornada das personagens de forma mais evasiva e dinâmica.
Talvez por sua formação em Arquitetura, Gitai constrói tão bem os ambientes de sua região, não só empilhando tijolos ou rabiscando plantas, mas detalhando esse mosaico que cria com a alma de cada humano que ali se encontra. Uma Noite em Haifa é um filme que, assim como a vida, não tem um desfecho em si, mas sim um acontecer constante, um amanhecer à espera da próxima noite.
Confira o trailer
Uma Noite em Haifa | Estreia 10.08.2023 | Dir. Amos Gitai | Israel | 99 min | Drama
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