top of page

A Luz

Intenções nobres e afetos esquecidos

Por Murilo Brum


Farrah (Tala Al Deen), jovem síria recém-chegada a Berlim, começa a trabalhar como empregada doméstica na casa de uma família alemã progressista e desajustada. O pai, publicitário idealista, construiu carreira vendendo sustentabilidade de fachada; a mãe, ativista humanitária, está à beira de um colapso; e os dois filhos adolescentes vivem isolados — um no videogame, a outra em festas, drogas e crises psicológicas. Ninguém se conecta e talvez nem saiba como se relacionar.


O que parece um drama íntimo logo se transforma em algo bem diferente. Esse é o ponto de partida de A Luz, novo longa de Tom Tykwer, diretor de Corra, Lola, Corra (1998). O filme marca seu retorno ao cinema autoral e chega aos cinemas brasileiros após abrir o Festival de Berlim 2025. Aos poucos, a presença de Farrah abala a rotina caótica da família e ela se torna uma espécie de “guia espiritual”, tentando reacender seus vínculos afetivos. Tykwer mistura gêneros com ampla liberdade criativa, alternando drama doméstico, sátira política, fantasia, musical e até ficção científica.


A trama aborda temas como imigração, identidade, voluntarismo e relações familiares, sem abrir mão de momentos de pura experimentação estética. Há coreografias pelas ruas de Berlim ao som de Bohemian Rhapsody, trechos animados, monólogos políticos e um estranho dispositivo luminoso que promete curas emocionais.


Com ritmo ágil, o filme poderia facilmente se perder em pirotecnia, mas encontra coesão no ótimo elenco e na condução sensorial de Tykwer, cuja montagem fragmentada reflete a vida caótica dos personagens. A Luz retrata um mundo que prega salvar o planeta, mas não consegue se organizar dentro de casa.


A família Engels expõe a contradição entre discurso e prática, revelando com ironia a hipocrisia cotidiana de uma elite que acumula causas, mas esquece do afeto genuíno — escutar, conviver, estar presente. No fim, a obra surpreende pela ousadia e pela forma como articula tantas ideias, estilos e emoções sem perder o fio. Para quem aprecia um cinema que explora linguagens incomuns, esta é uma estreia que se vive e se guarda na memória.


Confira o trailer


A Luz | Estreia 14.08.2025 | Dir. Tom Tykwer | Alemanha | Drama | 162 min.

Comentários


bottom of page