O retorno
- Larissa Reis
- há 3 dias
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Nem deuses nem monstros
Por Larissa Reis
No centro de O Retorno, dirigido por Uberto Pasolini, não há deuses, monstros ou artifícios da mitologia homérica. Há um homem — envelhecido, ferido, transformado pela guerra — que volta para casa. Odisseu, vivido por Ralph Fiennes, retorna a Ítaca após décadas de ausência, e a jornada que poderia ser um épico de aventuras se revela, aqui, uma travessia íntima e sombria: o encontro de um sobrevivente com suas cicatrizes e com aqueles que, em sua espera, também se feriram pelo tempo.
Adaptado de um esboço do dramaturgo Edward Bond, que assina sua última contribuição para o cinema antes de falecer em 2024, o filme nasceu de uma parceria de Pasolini com o roteirista John Collee. Juntos, decidiram retirar da Odisseia (Homero) seus elementos sobrenaturais e encarar a matéria humana por trás da lenda. O que sobra é a guerra em sua forma mais crua: o corpo cansado, o rosto marcado, o silêncio pesado. Fiennes constrói um Odisseu vulnerável, que retorna disfarçado de mendigo, carregando a raiva e a culpa de quem sobreviveu quando tantos não voltaram.
Ao lado dele está Juliette Binoche, como Penélope. A personagem, guardiã da memória e da esperança, resiste ao assédio dos pretendentes e mantém viva a chama de um
reencontro incerto. A presença de Binoche e Fiennes retoma uma parceria iniciada em O Paciente Inglês (1996), dando ao filme uma dimensão de reencontro que ultrapassa a própria ficção. Entre eles está Telêmaco, o filho que cresceu sem pai, e cuja juventude se confronta com a sombra de um herói já desconstruído.
A estética de Pasolini é austera e direta, evocando ecos do cinema de Pier Paolo Pasolini — com quem, apesar do sobrenome, não tem parentesco. As paisagens áridas e os interiores silenciosos funcionam como extensão da alma dos personagens, emoldurando uma narrativa que aposta na contenção e no detalhe. Não há explosões ou pirotecnia narrativa: o épico se torna psicológico, quase físico. Cada gesto, cada respiração, cada pausa é carregada de sentido. Um épico despido de mitologia, que fala sobre identidade, memória e amor dilacerado pelo tempo. Uma história milenar contada como se fosse inédita — porque a ferida que ela expõe continua a ser a nossa.
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O Retorno | Estreia 04.09.2025 | Dir. Uberto Pasolini | Itália/Grécia/Reino Unido/França | Épico | 116 min.
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