Ponto Oculto
- Isis Cruz
- 3 de jun.
- 2 min de leitura
Sorria, você está sendo filmado :-)
Por Isis Cruz
Ponto Oculto, obra da diretora germano-curda Ayse Polat — exibida no Brasil no ano passado durante o Festival Filmes Incríveis, no Reag Belas Artes — surpreendeu o público em sua primeira apresentação no Festival de Berlim 2024, ao retratar com precisão a atualidade das câmeras e como seus diferentes enquadramentos revelam versões distintas da realidade.
Segundo Polat, a ideia do longa surgiu durante as filmagens de um documentário sobre o genocídio armênio na Turquia e o desaparecimento forçado de pessoas nos anos 1990. Esses acontecimentos a fizeram refletir sobre os efeitos dos traumas geracionais, tanto em quem sofreu a violência quanto em quem a perpetrou.
O filme é dividido em três partes. A primeira começa com o olhar do infiltrado: jornalistas alemães, movidos por uma certa ingenuidade, decidem realizar um documentário sobre violações de direitos humanos na Turquia e os impactos disso sobre a população. Logo, percebem que estão diante de forças muito maiores do que imaginavam. Nessa jornada, cruzam o caminho da tradutora Leyla, que é encarregada de cuidar de uma menina enigmática chamada Melek. Embora seja apenas uma criança, Melek demonstra uma percepção muito mais aguçada do que os adultos ao seu redor, incluindo aqueles munidos de câmeras e microfones, que não conseguem captar a verdadeira essência da história.
Na segunda parte, o foco se desloca para o possível antagonista da narrativa: Zafer, pai de Melek e vizinho de Leyla. Ele desconfia que a tradutora esteja colaborando com os repórteres para investigar um esquema criminoso do qual participa desde que herdou o papel do próprio pai como capanga de um influente mafioso. Quando sua profissão começa a ameaçar a segurança da família, Zafer entra em crise. Ele, então, passa a receber vídeos anônimos, filmados por alguém que o observa com a filha, e decide usar seu próprio celular para gravar tudo: seus medos, seus crimes, suas tentativas de justificativa.
A terceira e última parte se desenrola, em grande parte, por meio de imagens captadas por câmeras de segurança, como uma tentativa de neutralidade na narrativa. É nesse trecho que descobrimos como Melek foi parar no centro de tudo e como sua personalidade magnética parece desafiar os olhos das câmeras, que tentam, incansavelmente, encontrar seu olhar ou talvez algo além do que se pode captar em vídeo.
No fim, cabe ao espectador decifrar onde termina o real e começa o simbólico. Ponto Oculto propõe um mergulho incômodo e necessário sobre como o trauma coletivo atravessa gerações e fronteiras, e sobre como cada lente pode contar uma história completamente diferente.
Ponto Oculto | Estreia 26.06.2025 | Dir. Ayse Polat | Alemanha | Thriller | 117 min.
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