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Uma vida inteira, do passadis ao forevis - Mussum: o Filmis

Por Thaisa Zanardi


Antônio Carlos Bernardes Gomes, nascido em 1941, antes de ser um trapalhão (ou um meme), é uma figura complexa que carrega muitas camadas. O carioca Mussum, como o conhecemos, recebeu o icônico nome artístico de ninguém menos que do primeiro artista negro a ocupar espaço de destaque no cinema e na televisão brasileira: Grande Otelo. A palavra se origina de “muçum”, um peixe sul-americano escorregadio e liso. Talvez Otelo, logo de primeira, tenha batizado o colega ao perceber nele o talento nato para se desvencilhar de obstáculos.


Em Mussum - O Filmis, o diretor Silvio Guindane decidiu construir a narrativa focando Mussum em sua fase criança, jovem e adulta, interpretado por Thawan Lucas, Yuri Marçal e Aílton Graça, respectivamente. Aqui, o humorista tem toda uma trajetória que antecede seus feitos na TV e, para falar de Antônio Carlos, é preciso olhar com profundidade para Malvina, a mãe dele, interpretada na versão jovem por Cacau Protásio e idosa por Neusa Borges. Malvina é dura, forte, mas sempre muito afetuosa e orgulhosa de seus filhos, em especial “Carlinhos”, que é como ela o chamava.


Entre algumas cenas engraçadas, de repente, vem a emocionante imagem em que Carlinhos (na versão criança) ensina Malvina a ler e a escrever. A cena é embalada pela canção O Mundo é Um Moinho, de Cartola, em uma versão instrumental, um momento que amolece nossos corações, já sinalizando a importância que ambos tiveram um para o outro. Essa mãe sempre sonhou para o menino possibilidades que ela jamais teve. Queria ver Carlinhos médico, advogado ou sargento.


Mas, sonhador que era, o jovem não podia sublimar sua alma de sambista. Então, em determinado momento do filme, revela-se sua discordante vida dupla: servindo nas forças armadas pelas manhãs e embalando as noites em casas de show, ao lado dos colegas do grupo Os Originais do Samba. Nessa altura, Antônio Carlos vive o dilema de enfrentar o mundo adulto com garantias, salários fixos, ou viver a plenitude de fazer o que ama, sem saber no que vai dar. E, finalmente, em 1972, há o encontro explosivo com Os Trapalhões, e aí novos conflitos aparecem, levando Mussum a se afastar da música, pois não daria conta de atender às demandas das duas carreiras.


O humorístico Os Trapalhões foi um grande sucesso nacional por mais de duas décadas, entre os anos 70 e 90, e, mesmo com todos os percalços, desentendimentos e erros do grupo, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias fizeram história na televisão e no humor brasileiro. E o programa eternizou a particular pronúncia de Mussum para certas palavras, acrescentando as terminações "is" ou "évis", como, por exemplo, “cacíldis” e “forévis”, assim como o icônico "mé" (gíria para cachaça). No longa, cenas inesquecíveis do grupo são recriadas com perfeição pelo elenco, com a brilhante atuação de Ailton Graça, digna do prêmio de melhor ator que recebeu no Festival de Gramado, onde o filme recebeu mais seis troféus Kikito.


Inevitavelmente, a obra vai tocar em temas densos, como o racismo estrutural e o racismo recreativo, o que é feito de modo sutil e delicado, mas suficiente para levar o espectador a refletir sobre o assunto. De modo geral, Mussum – O Filmis é também uma lição de vida, tendo como protagonista um homem preto que driblou preconceitos e se tornou um vencedor, mesmo com todas as dúvidas que teve sobre que caminhos seguir, e entendeu que podia, sim, experimentar escolhas diversas. E, definitivamente, o legado desse artista gigantesco está aí como exemplo para que outros “Carlinhosis” possam ser o que bem quiserem.


Confira o trailer



Mussum - o Filmis | Estreia 02.11.23 | Dir. Silvio Guindane | Brasil | Biografia | 116 min.

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