Oh, Canadá
- Murilo Brum
- 3 de jun.
- 3 min de leitura
De herói a impostor
Por Murilo Brum
Oh, Canadá, o mais novo filme de Paul Schrader, nos apresenta Leonard Fife, apresentado como um dos maiores documentaristas da atualidade, aclamado por seu ativismo e por filmes que expuseram injustiças sociais. Ele é interpretado por Richard Gere, e, como é de se esperar de Schrader, esse não é um papel qualquer. Valendo lembrar que a parceria Gere/Schrader rendeu o cult de grande sucesso Gigolô Americano, de 1980.
Fife, que foi reconhecido mundialmente como um símbolo de ética e humanismo, encontra-se agora à beira da morte e decide dar uma última entrevista. Pela primeira vez em sua vida, ele está disposto a contar a verdade sobre quem realmente é, revelando segredos que vão contra a imagem de herói e integridade que construiu durante toda a sua carreira.
Baseado no romance Foregone, de Russell Banks, de quem Schradar já havia adaptado Temporada de Caça (1997), o filme explora a trajetória de Fife, um homem que, ainda jovem, desertou dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã para escapar do alistamento, indo parar no Canadá. Esse momento de fuga, no entanto, foi apenas o primeiro de muitos outros episódios de covardia e omissão que marcaram sua vida.
Agora, com o tempo se esgotando, ele precisa encarar as mentiras que ajudaram a moldá-lo em uma lenda — e o impacto devastador que essas mentiras tiveram nas pessoas que ele mais amava.
A história é contada de maneira não linear, com saltos no tempo que nos levam a momentos essenciais da juventude de Fife, vivido nessa fase por Jacob Elordi. Essas transições temporais são acompanhadas de uma estética visual que brinca com o tempo, alternando cenas em preto e branco e outras com cores intensas, como uma maneira de refletir a distorção da memória e o turbilhão interno do protagonista.
Uma Thurman, em um papel contido, brilha como Emma, esposa do retratado. Mesmo quando em silêncio, sua personagem carrega a dor de tudo o que aconteceu entre eles ao longo dos anos. Michael Imperioli, que recentemente teve papel de destaque na série The White Lotus, interpreta Malcolm, o antigo aluno que agora conduz a entrevista final de seu mentor. Ele lida com a frustração de descobrir que o ídolo que tanto admirava é tão humano, com falhas como qualquer outro.
Schrader, que já nos apresentou temas como culpa e redenção em filmes como Fé Corrompida e O Contador de Cartas, cria aqui um drama sóbrio e profundo. Ele investe nas performances dos atores e na sutileza do roteiro, construindo uma narrativa que nos impacta de forma silenciosa, sem recorrer a grandes artifícios.
Não há espaço para grandes explosões emocionais ou viradas dramáticas. O que vemos é um homem enfrentando a realidade nua e crua da sua própria história. Livre das máscaras e da imagem de herói que construiu, ele se vê questionando o que realmente significa legado e o que, de fato, deixamos para trás quando partimos.
Mais do que apenas uma reflexão sobre arrependimento, Oh, Canadá nos oferece uma experiência que nos toca e nos inquieta na mesma medida. É aquele tipo de filme que fica na cabeça, dias após a sessão, e nos faz pensar nas escolhas que fizemos e nas que ainda temos pela frente.
Confira o trailer
Oh, Canadá | Estreia 05.06.2025 | Dir. Paul Schrader | Canadá/EUA/Israel | Drama | 91 min.
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