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Por um breve respiro - O Pequeno Corpo

Por Roberta Ribas


Através de um pequeno sol, vemos um pequeno tesouro, guardado em uma caixa. Graça e desgraça, e milagre. Esse road movie começa em um respiro e segue em busca de um último suspiro. Estamos na Itália, em 1900. A jovem Agatha dá à luz uma bebê natimorta, e, por isso, condenada ao limbo. Ela ouve sobre um lugar nas montanhas onde as crianças natimortas podem ser trazidas de volta à vida por um breve respiro. Um prodígio necessário para batizar esses bebês que, de outra forma, seriam enterrados em lugares “não consagrados”. Sem o batismo, eles nunca poderiam ter um nome ou uma identidade, suas almas vagariam eternamente pelo limbo. E pela filha, O Pequeno Corpo do título, a protagonista faz sua via-crúcis seguindo seu instinto e sem contar a ninguém, em uma viagem solitária com a sua pequena caixa.


Há o desejo de dar um nome à criança para libertá-la, mas isso também seria uma forma subliminar de prolongar a simbiose entre mãe e filha, uma espécie de continuação da gravidez em que o bebê é transferido do estômago às costas. Tal viagem e luto são físicos, e a interpretação de Celeste Cescutti idem, tornando-se cada vez mais transcendental. É o preço exigido ao subir às montanhas, a troca entre a graça e a desgraça, os vivos e os mortos, o amor e a dor. Somente um sopro, um suspiro e a esperança para admirarmos essa imensidão e, agarrados nesse pequeno filme, nos afogar em lágrimas, graciosamente.


Em 2016, a diretora e corroteirista Laura Samani descobriu um pequeno santuário, no qual, até o século XIX, acreditava-se trazer bebês natimortos de volta à vida. Partindo dessa história que a encantou, a cineasta realizou esse seu primeiro longa: Piccolo Corpo, no título original. O filme teve sua estreia mundial na Semana da Crítica do Festival de Cannes, e rendeu a Samani o prêmio David di Donatello, o mais importante do cinema italiano, na categoria de cineasta estreante.


Durante a pesquisa para o filme, a diretora conta que descobriu que eram em sua maioria homens que viajavam levando os pequenos corpos, uma vez que as mulheres, que acabaram de dar à luz, não tinham condições físicas de se submeterem à viagem. Enquanto escrevia o roteiro, se perguntou: o que acontece com a mulher que fica em casa? E se a jornada, ao invés de ser feita por um homem, fosse feita por uma mulher?


O cenário é sua terra natal, no nordeste da Itália. Ela conta que enquanto buscava lugares para filmar, encontrou moradores da região que acabaram entrando no filme: “Quase todo o elenco é formado por pessoas que nunca atuaram antes. Em alguns casos, famílias inteiras. Foi também por esta razão que decidi rodar o filme nos dialetos Veneto e Friuli, não apenas para o público conhecer a língua autêntica da época, homenageando as diferentes variações, como também para que as pessoas pudessem se expressar tanto quanto possível da maneira mais natural”.


Com fotografia esplêndida de Mitja Licen, e trilha sonora de Fredrika Stahl, o longa tem um ritmo lento, mas suas imagens são tão belas, poéticas, tristes e contemplativas que não há quem não se encante com a produção. As duas atrizes protagonistas são excelentes, trabalham as emoções de forma naturalista, contida e sofrida internamente. Um tema áspero e pungente, com um realismo mágico. Emocionante, de tirar o fôlego, e com um desfecho belíssimo. Preparem seus lenços!


Confira o trailer



O Pequeno Corpo | Estreia 16.11.23 | Dir. Laura Samani | Itália/França/Eslovênia | Drama | 89 min.

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