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Rabia: As Esposas do Estado Islâmico

A terra da esperança e do arrependimento

Por Larissa Reis


No centro de Rabia – As Esposas do Estado Islâmico, filme de estreia da diretora Mareike Engelhardt, não há apenas uma jovem radicalizada. Há o peso de um silêncio que se acumula. Jessica, que adota o nome islâmico de Rabia, não parece movida por uma convicção ideológica sólida, mas por um desejo — inquieto, desesperado — de pertencimento. E é justamente esse desejo que o filme desmonta, camada por camada, até restar só o corpo enclausurado, o olhar perdido, o gesto contido.


Estamos em 2014, no auge do recrutamento europeu por grupos jihadistas. Mas o que poderia ser um drama moralizante sobre “garotas ocidentais perdidas” se torna, nas mãos de Engelhardt, um estudo sobre a engenharia da submissão. Jessica é enviada a uma “madafa” — espécie de casa comunitária onde mulheres solteiras ou viúvas aguardam casamento com combatentes — e ali se vê sob o comando de Madame, uma matriarca carismática, manipuladora e temida. A personagem, vivida com precisão por Lubna Azabal, é inspirada em Oum Adam, figura real que comandava essas casas no território controlado pelo Daesh.


Baseado em relatos reais, Rabia – As Esposas do Estado Islâmico chega aos cinemas brasileiros em 21 de agosto pela Pandora Filmes. Engelhardt, que assina o roteiro com Samuel Doux, passou anos entrevistando ex-integrantes do Estado Islâmico, acompanhando julgamentos em Paris e reconstruindo os bastidores dessas casas de noivas. É um trabalho de imersão que se traduz na atmosfera sufocante do filme, ambientado quase inteiramente dentro da madafa. O espaço é fechado, o mundo é outro — e o tempo parece suspenso.


A câmera observa mais do que invade. Nada de explosões ou heroísmo redentor. O que vemos é o desmanche gradual da identidade. Megan Northam entrega uma atuação contida, quase orgânica — ela se retrai, observa, escuta. É um filme sobre tornar-se espectadora da própria vida, como se estivesse presa num teatro em que já não tem mais fala. O uso constante do fora de campo, os ruídos ao longe, os rituais repetitivos: tudo isso reforça a ideia de um cotidiano moldado pela vigilância e pela anulação do desejo.


Com fotografia de Agnès Godard (Beau Travail e 35 Doses de Rum) e trilha original de David Chalmin (colaborador de Madonna e Thom Yorke), Rabia investe numa encenação que diz muito com pouco. Cada escolha de luz, cada corte discreto, cada som abafado ajuda a compor um retrato psicológico da radicalização — não como explosão de fúria, mas como erosão lenta e irreversível. E o mais assustador é que tudo parece possível. Porque foi.


Confira o trailer



Rabia – As Esposas do Estado Islâmico | Estreia 21.08.2025 | Dir. Mareike Engelhardt | França/Alemanha/Bélgica | Drama | 94 min

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