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Síndrome da Apatia

Sob a máscara da resignação

Por Nathalia Macedo


Premiado como melhor diretor no Festival de Veneza por Miss Violence, Alexandros Avranas retorna a temas que conhece bem em Síndrome da Apatia, mergulhando mais uma vez nos limites da violência silenciosa. Conhecido por seu olhar clínico e desconcertante sobre as estruturas familiares e sociais, Avranas entrega aqui mais uma obra de impacto — fria, precisa e perturbadora.


A síndrome da resignação, também chamada de apatia, é uma condição psicológica rara, documentada entre crianças refugiadas, que entram em um estado catatônico, como se se desligassem da realidade para não sofrer mais. Na história, Katja, a filha mais nova do casal Serguei e Natalia, não está doente — está esgotada. E, em vez de ser acolhida como uma criança marcada por um trauma devastador, é tratada como adulta, encarregada de um testemunho que pode decidir o destino de toda a família.


Em resumo, Serguei e Natalia fogem da Rússia com suas duas filhas em busca de asilo na Suécia. Ele foi acusado de incitar a leitura e o debate sobre obras proibidas com seus alunos, e por isso enfrentou represálias violentas. A violência no filme, no entanto, não se manifesta em explosões ou gritos. Ela vem de forma sutil: em regras silenciosas, em fichas intermináveis, em corredores brancos e frios, em vozes calmas demais. E é justamente essa frieza que torna tudo ainda mais devastador.


Síndrome da Apatia é sufocante e faz o espectador se sentir impotente e desconfortável diante de uma injustiça que se impõe com cruel delicadeza. Aqui, o terror não vem de monstros ou armas, mas da burocracia, da falsa solidariedade, e de crianças que, dominadas pelo medo, simplesmente deixam de existir.


A fotografia é impecável. Tons frios — predominantemente cinzas e azuis — criam uma atmosfera de solidão e aprisionamento, um lugar onde não queremos estar.

As atuações se baseiam na sutileza, carregando a angústia da incerteza no olhar. Sem muitas palavras, os personagens expressam de forma brilhante o medo do que está sempre por vir. As crianças, por exemplo, representam o trauma de modo impressionante, e é realmente impossível não se comover quando elas “desligam” do mundo ao redor.


A narrativa mergulha no desespero gradativo da família, arrastando o público para dentro de um pesadelo burocrático. É um cinema doloroso, sem promessas de alívio, mas que ainda nos faz torcer por uma saída. Do início ao fim, tudo o que queremos é que eles consigam. Sempre que a família interage com o sistema governamental, o filme adquire um tom surreal e quase distópico — como na cena em que os pais recebem um “treinamento” para sorrir da maneira certa e esconder suas emoções das filhas, ou quando somos levados a um hospital onde várias outras crianças sofrem da mesma condição de Katja.


A direção de Avranas, aliada ao roteiro coescrito por ele com Stavros Pamballis, aposta na ambiguidade. Nunca sabemos exatamente quais segredos Serguei guarda, ou se sua perseguição política foi tão severa quanto ele afirma. Essa incerteza é proposital e certeira. Afinal, para as autoridades que funcionam como engrenagens de um sistema impessoal, a verdade parece irrelevante.


A maior força do filme está justamente no que não é dito, no silêncio pesado, nos olhares que falam mais que palavras e na fotografia que congela o tempo. Se Síndrome da Apatia nos ensina algo, é que a violência nem sempre se apresenta com força bruta; às vezes, ela se esconde nos gestos automáticos, nos sorrisos vazios, no olhar perdido de uma criança que já não tem forças para reagir. Não se trata de uma história de grandes reviravoltas, mas de pequenos gestos de resistência. Em uma cena específica, na piscina, isso fica claro: em meio ao caos, os pais conseguem oferecer às filhas um raro momento de paz, segurança e afeto. Um respiro. Uma lembrança de que, apesar de tudo, ainda existe esperança.


Confira o trailer




Síndrome da Apatia | Estreia 12.06.2025 | Dir. Alexandros Avranas | Grécia | Drama 109 min.

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